Encontro com os Ícones: um encontro de oração
ais do que qualquer coisa este é um encontro de oração. Um encontro de experiência e aprofundamento de vida de oração. O ícone não é nada mais do que uma oração. É uma oração expressa em cores e formas. E é isto o que distingue o ícone de qualquer outra «obra de arte.»
Assim como é impossível ensinar alguém a rezar simplesmente por palavras, também é impossível ensinar ou aprender a orar com os ícones sem que haja uma experiência. Por isso, nesse encontro, muito mais do que falar dos ícones vamos experimentar esse tipo de oração. É uma oração muito simples, pois os ícones são para os «pobres de coração» (cf.Mt.5,3). Não se reza com os ícones simplesmente com o intelecto, mas com o coração. É uma oração de humildade, onde temos que nos despojar de nossos pré-conceitos e concepções pessoais. Orar com os ícones significa entregar-se e participar daquilo que nele já está proposto. Como disse, o ícone mesmo já é uma oração.
Mas por que o homem tem tanto desejo em aprender a rezar? Mesmo que não seja consciente dessa necessidade, o homem é um ser criado para a oração. Ele foi criado para o convívio com Deus, para participar daquilo que é celeste. Antes de sua queda, o homem vivia em perfeita harmonia com Deus. Quando o pecado entrou no mundo, porém, esta ordem foi quebrada e o homem se afastou de Deus; escondeu-se Dele. Mesmo longe de Deus, o homem continuou a trazer em si as marcas da divindade. Trazia dentro de si a semente original. Quando olhava para o seu interior via os traços de Deus, pois foi criado à sua imagem e semelhança. Porém, esta imagem havia se quebrado com o pecado. O Pai, então, para restabelecer esta relação de união e restaurar esta imagem perdida no homem, envia o seu Filho para reabrir para o homem as portas do paraíso perdido.
Depois do pecado, a oração passou a ser algo contra a natureza humana. Orar, para o homem, não é difícil; diria que é impossível. No entanto, Deus, em sua bondade, concede ao homem esta graça de estar em seu convívio, mesmo sendo indigno. O que o faz digno é a sua filiação, que acontece através de Jesus Cristo. A oração, portanto, não é um ato humano, que depende das capacidades de cada um. A oração é um dom de Deus.
É através da oração que estabelecemos esta relação de amizade e amor com Deus. Sem isso, não podemos viver. Talvez possamos sobreviver, mas não viver de fato. É como se tentássemos criar um peixe fora de seu ambiente natural: a água. O ambiente natural do homem é Deus, é o Céu. Talvez fora desse habitat natural ele possa até sobreviver, mas nunca poderá viver plenamente. Quando estamos longe desse habitat sentimo-nos deslocados. Não sabemos o que fazer, sentimo-nos desamparados e tristes. Diria que este é o grande mal pelo qual o mundo sofre: os homens não estão vivendo em seu habitat natural. O homem sente saudades de Deus.
O Senhor nos proporciona meios de oração. Meios de entrarmos em contato com Ele com maior facilidade: a Escritura (lectio divina), a liturgia (sacramentos), a música, a própria criação, a arte... Tudo o que esta relacionado a Deus mesmo pode nos levar à oração. Em tudo isso percebemos a presença de Deus, pois Ele se manifesta em toda a sua criação.
No relato da criação (Gn 1), vemos que a cada ato de criação, Deus profere uma Palavra: “isto é bom”. Com isso a Escritura quer nos dizer que todas as coisas existem e são sustentadas pela vontade e pela Palavra criadora de Deus. Em toda criação Deus imprimiu a sua Bondade – «e Deus viu que isto era bom».
É interessante perceber que para a Bíblia, enquanto palavra de revelação, Bondade e Beleza são sinônimOs, porque ambas deixam perceber tanto a ação criadora de Jhwh quanto seu fazer-se conhecer como o verdadeiro Deus. Deus imprime em toda a criação o seu caráter de bondade e de beleza.
O ser humano não poderia ser isento desta marca de Deus. E Deus vai além desta simples marca e cria o homem à sua «imagem e semelhança» e vê que o que fez «é muito bom-belo.» O homem não é uma cópia de Deus, nem muito menos tem os traços físicos de Deus, pois isto seria impossível, visto que Deus é espírito. Mas ele é semelhante a Deus na faculdade de poder decidir e amar.
É isto o que faz do homem um ser superir a toda a criação; Deus submete a criação ao poder do homem. É ele quem dá o nome a cada ser criado. O homem é, portanto, partícipe da criação. E é colaborador de Deus também enquanto capaz de gerar vida. O homem, enquanto criação de Deus, é reflexo de sua glória, vem do conteúdo da beleza de Deus.
O homem participa da criação do mundo a partir do momento em que é criado. Em tudo o que faz, todas as obras de suas mãos devem ser uma expressão da Bondade e da Beleza de Deus. A beleza e a harmonia fascinam o homem, pois fazem com que ele se lembre e tenha saudades de Deus, mesmo inconscientemente.
A iconografia está inserida dentro desta realidade da teofania da Beleza de Deus. Por isso constitui uma porta aberta à oração, ao encontro com o transcendente.
Não admiramos o ícone simplesmente por ser uma obra de arte. O ícone não quer nos transmitir o estético, mas a BELEZA mesma, que tem sua origem no próprio Deus. O ícone, portanto, é um reflexo do mundo celeste; uma janela para o invisível.
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